A história de que o Papa Francisco teria chamado uma dupla gay de “família” foi explorada ad nauseam nos últimos dias pela militância LGBT. Aconteceu que o sr. Toni Reis, conhecido militante homossexual, enviou uma carta para o Papa dando notícia, segundo ele, da sua satisfação por ter logrado batizar na Igreja os seus filhos adotivos — coisa que lhe foi muito difícil conseguir por conta da união homossexual em que ele vive publicamente. O Vaticano enviou uma resposta educada à carta. Por conta disso os meios de comunicação se apressaram a alardear que o Papa Francisco teria afirmado que o “casal gay” é também uma forma de família.
Ora, a notícia se trata, à toda evidência, de uma falsa matéria, sem absolutamente nenhum fundamento. Afinal de contas, a carta recebida pela dupla curitibana
a) não é assinada pelo Papa Francisco pessoalmente, mas sim por um secretário do Vaticano;
b) não traz o nome do destinatário, muito menos do seu “companheiro”, nem nenhuma outra informação que permita concluir, ainda que indiretamente, ter sido enviada especificamente para uma dupla gay; e
c) é um modelo-padrão que o Vaticano utiliza para responder às cartas recebidas — certamente às centenas ou mesmo milhares — pelo Santo Padre todos os dias.
Ou seja, de nenhuma maneira é possível inferir que o Papa tenha querido, nem mesmo indiretamente, estabelecer qualquer relação de similaridade entre a família — a sagrada união entre o homem e a mulher — e as uniões homossexuais — o pecado da sodomia institucionalizado em uma caricatura matrimonial. Neste caso não se trata nem mesmo de uma frase descontextualizada ou uma declaração mal-interpretada, nada disso: foi apenas uma lamentável falta de cuidado do setor vaticano responsável por cuidar da correspondência do Santo Padre. Não chega sequer a ser uma notícia distorcida; é uma não-notícia.
O assunto ganhou tanta repercussão que recebeu importantes desmentidos. O próprio Arcebispo de Curitiba — que, segundo a matéria do Congresso em Foco, foi precisamente quem providenciou o batizado das crianças — publicou uma nota no site da Arquidiocese onde desautoriza a forma como o assunto vem sendo explorado:
Não se trata (…) de uma aprovação à união estável do casal (rectius, dupla) em causa. Tampouco se tratou de permissão. Trata-se de uma simples resposta cordial a um gesto também cordial. Deve ser interpretada, portanto, com o tamanho e a importância que realmente tem.
E até mesmo a Sala de Imprensa da Santa Sé sentiu necessidade de prestar esclarecimentos:
“Em relação à carta assinada pelo Monsenhor Assessor da Secretaria de Estado, reitero que a afirmação do senhor Toni Reis de que se trata de uma resposta ao casal é falso. A carta estava dirigida apenas a ele (‘Prezado Senhor’)”, indica García Ovejero.
Vivemos em tempos estranhos, nos quais as pessoas pensam poder colocar um Papa contra outro Papa e atribuir, ao Soberano Pontífice reinante, posições em assuntos de Fé e Moral que contrariem aquilo que a Igreja sempre ensinou e o mundo moderno escolheu rejeitar. É por isso que divulgam coisas como essa: incapazes de vencer no campo doutrinário, porfiam por enganar os incautos no campo das narrativas. Mas o caso atual é particularmente esquizofrênico porque o Papa Francisco já se posicionou, por diversas vezes, e inclusive solenemente, contra o movimento homossexual.
Durante o ano de 2015 o Papa reservou a maior parte das Audiências Gerais das quartas-feiras para tratar do tema da família, de janeiro até setembro.
Desde o dia de Santa Inês:
Reevocando a figura de são José, que protegeu a vida do «Santo Niño», tão venerado naquele país, recordei que é preciso proteger as famílias, que enfrentam diversas ameaças, para que possam testemunhar a beleza da família no projecto de Deus.
É preciso também defender as famílias das novas colonizações ideológicas, que ameaçam a sua identidade e a sua missão.
Até a festa de São Cornélio, Papa:
Caminhemos juntos com esta bênção e com esta finalidade de Deus, de nos tornarmos todos irmãos na vida, num mundo que caminha em frente e que nasce precisamente da família, da união entre o homem e a mulher.
O Papa Francisco sempre falou da família nos seus elementos constituintes: o homem, a mulher e, consequentemente, os filhos. Ora, insistindo na diversidade dos sexos e na fecundidade conjugal, não há espaço absolutamente nenhum para afirmar que o Papa não tenha sempre diante dos olhos a figura sagrada da união entre o homem e a mulher; ou que não entenda a importância fundamental, insubstituível, dessa união; ou que não a queira promover e defender em face do mundo moderno! Veja-se, por todas, esta elegia rasgada da complementaridade dos sexos para a formação da família:
Isto faz-nos recordar o livro do Génesis, quando Deus conclui a obra de criação e faz a sua obra-prima; a sua obra-prima é o homem e a mulher. E aqui Jesus começa os seus milagres, precisamente com esta obra-prima, num casamento, numa festa de núpcias: um homem e uma mulher. Assim, ensina que a obra-prima da sociedade é a família: o homem e a mulher que se amam. Esta é a obra-prima!
Contra esta tríplice afirmação acerca do «desígnio originário de Deus sobre o casal homem-mulher», de que valem divulgações maliciosas de mensagens vaticanas mal-encaminhadas por estafetas atrapalhados?
Mais ainda. Como se isso não fosse o bastante, o assunto foi especificamente tratado na Amoris Laetitia (aquela mesma que acusam de progressista):
251. No decurso dos debates sobre a dignidade e a missão da família, os Padres sinodais anotaram, quanto aos projetos de equiparação ao matrimónio das uniões entre pessoas homossexuais, que não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimónio e a família. É «inaceitável que as Igrejas locais sofram pressões nesta matéria e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países pobres à introdução de leis que instituam o “matrimónio” entre pessoas do mesmo sexo».
Repise-se: para o Papa Francisco, em um documento oficial sobre o amor na família, não é possível estabelecer analogias, sequer remotas!, entre as uniões homossexuais e o matrimônio e a família. Como seria possível, então, que Sua Santidade se desdissesse de repente? Teria acaso se comovido — até à apostasia — com a carta de Toni Reis? A história dos gays de Curitiba teria provocado tanto impacto sobre o Papa a ponto de ele decidir — sem fazer alarde, sem se explicar, sem nada, em uma carta, igual a mil outras, assinada por um secretário desconhecido — mudar a posição que vem consistentemente sustentando durante todo o seu pontificado?
É isso? Ou é que a história da mídia gay não tem pé nem cabeça?