Humor Conciliar

Publico uma tradução do “Humor Conciliar” que o Andrea Tornielli nos trouxe recentemente e um amigo me mostrou via Secretum Meum Mihi. As historietas fazem parte de um livro («Las burbujas del Concilio», 128 páginas, 12 euros) de 1966 que acabou de ganhar uma edição moderna, a ser vendida nas editoras (italianas, suponho) a partir do próximo dia 3 de outubro. Algumas das anedotas são demasiado mordazes, mas outras são muito boas. E todas são, no mínimo, curiosas.

À lista abaixo eu acrescento outra que um amigo nos contou por email (talvez esteja no livro, não sei), sobre o nome das duas lojas que vendiam lanches para os Padres Conciliares: o «Bar Judas» e o «Bar Abbas». Que ninguém diga que os católicos (nem mesmo a alta hierarquia católica!) não têm senso de humor.

* * *

Os primeiros efeitos da pílula

Em várias ocasiões, alguns jornais anunciaram novas nomeações cardinalícias por Paulo VI. E, a cada vez, as notícias se revelaram falsas previsões. «Por que o Papa não cria mais cardeais?», um bispo se perguntava. «Deve ter aprovado a pílula… e funcionou!», respondeu um perito.

Ecumenismo angélico

Um visitante chega ao Vaticano e pede uma audiência imediata com o Papa. O Guarda Suíço em serviço fica desconcertado: não é possível, tem que marcar um horário. O visitante insiste; o Guarda Suíço pergunta o seu nome e, depois, um Monsenhor o recebe. «Sou o Doutor Satanás», explica o visitante, «e preciso falar urgentemente com o Papa». O Doutor Satanás insiste tanto que o Monsenhor consegue, enfim, obter uma audiência extraordinária no mesmo dia, embora não sem [antes] ter verificado cuidadosamente a identidade do estranho visitante: chifres sob o chapéu, cauda ondulada, pé de bode… No dia seguinte, “L’Osservatore Romano” publica uma nota: «Sua Santidade recebeu em audiência privada o ilustre Doutor Satanás. O encontro durou cerca de 80 minutos e aconteceu em um ambiente cordial. O Santo Padre assegurou sua simpatia pelo líder dos anjos rebeldes».

Non decet

Alguns leigos participaram do famoso Esquema XIII, em particular na elaboração do capítulo sobre o Matrimônio. Entre eles havia uma mulher vinda do México (acompanhada pelo seu marido). Um dia, o cardeal irlandês Michael Browne interviu na comissão sobre o tema do «amor de concupiscência», afirmando que o esquema devia recordar este aspecto deplorável do amor humano, inclusive no âmbito do Matrimônio. De repente, a mulher o interrompeu dizendo: «Todos os bispos aqui presentes, espero, veneram a própria mãe e não se consideram frutos da concupiscência». O cardeal enrubesceu, mudou de assunto e ninguém voltou a falar sobre o tema.

Toaletes

Os banheiros do Concílio tinham duas indicações em italiano: «libre» e «ocupado». Um bispo propôs que fossem traduzidos para o latim, nestes termos: «sede vacante» e «feliciter regnante».

Mais atitudes e menos palavras.

O cardeal Suenens falava muito do diálogo no Concílio, mas (ao que parece) o praticava pouco em sua diocese. «É um especialista do monólogo no diálogo», diziam alguns dos sacerdotes da diocese de Malinas-Bruselas.

Onde está o pai?

Alguém abandona um recém-nascido nos jardins do Palácio do Santo Ofício. Dois seminaristas que passavam por lá o vêem e se perguntam quem serão seus pais: «será um bispo?», diz um. «Não, claro que não», responde o outro. «Por quê?». «Porque nunca se soube de nenhum bispo que tivesse feito algo significativo em nove meses. Talvez o Concílio?». «Impossível, o que sai dele nasce morto ou inválido. E se for de alguém do Santo Ofício?» «Nem brincando! Um filho é fruto do amor, e no Santo Ofício não há nenhum vestígio de amor».

Humor Pontifício

Ao final da Quarta Sessão, muitos Padres Conciliares criticaram duramente a prática das indulgências e chegaram até mesmo a pedir que fossem abolidas. O que dizia o Papa? Apenas se pode indicar que, ao receber os bispos latino-americanos pouco antes de terminar o Vaticano II, Paulo VI lhes dissera: «Dou-lhes minha bênção e as respectivas indulgências… porque ainda me é concedido dá-las».

A Trento

Os cardeais Ottaviani e Ruffini sobem num táxi e dizem ao motorista: «ao Concílio!». Depois começam a discutir questões teológicas. De repente, se dão conta de que o táxi saiu de Roma e se dirige ao norte. «Ei, taxista, onde nos está levando?». «Vocês me disseram: “ao Concílio!” e eu os estou levando a Trento. Creio que é o único destino possível para vocês…».

Mais sobre os castigos temporais de Deus

Recebi alguns comentários interessantes no meu texto de ontem sobre o Haiti e os castigos de Deus. Vou falar mais algumas coisas sobre o assunto; primeiro, sobre o caso particular da tragédia recente e, depois, sobre a pergunta mais geral: Deus castiga?

Sobre o Haiti, vou ser lacônico: o Julio Severo está errado. Simplesmente não é verdade, antes de mais nada, que “[a] religião oficial do Haiti (…) é o vodu”. A wikipedia diz que a religião oficial de Estado é o Catolicismo Romano. Sobre esta informação, é importar ressaltar que a Constituição do Haiti de 1987 não diz isso; no entanto, tampouco fala em voodoo. De onde foi que o Julio Severo tirou que é esta a religião oficial do Haiti?

Ainda que fosse, isto por si só não é motivo suficiente para inferir que o terremoto no país foi um castigo divino por causa da feitiçaria praticada pelo povo. Já disse que Deus não “funciona” com o determinismo de uma lei física de causa-e-efeito do tipo “se o povo é mau, então vou mandar uma catástrofe”. Ou, por acaso, todos os lugares do mundo onde se praticam feitiçaria sofreram catástrofes naturais? Ou todas as catástrofes naturais do mundo ocorreram em lugares onde se praticam feitiçaria?

Dito isto, passemos para o caso mais geral. Que Deus castiga, imagino que seja ponto pacífico e não necessite de mais discussão. O que parece estar ainda em litígio é: as tragédias naturais podem ser castigos de Deus?

E, sinceramente, não vejo como seja possível responder “não, não podem” a esta pergunta. Pelos motivos os mais diversos. Em primeiro lugar, há exemplos, nas Escrituras, de tragédias naturais que são castigos de Deus. E um único contra-exemplo bastaria para derrubar a regra.

Além disso, há o testemunho da Liturgia. Pus aqui as orações antigas da missa votiva para ocasiões de terremoto, e elas são peremptórias: “tais flagelos são castigos da Vossa mão”. E nós rezamos conforme nós cremos.

Fiz questão de olhar no missal de Paulo VI e lá tem uma missa pro tempore terraemotus. Infelizmente, ela foi terrivelmente mutilada, tendo sobrado somente a colecta – que é uma mistura das três orações da missa antiga – e, mesmo assim, todas as referências à ira de Deus e aos castigos foram simplesmente suprimidas. No entanto, durante mil e novecentos anos rezou-se dizendo que os terremotos eram castigos da mão de Deus; lex orandi, lex credendi. Da (infeliz) supressão das orações no Novus Ordo Missae não segue que a doutrina da Igreja tenha “mudado”.

Há, além disso, a questão mais geral da Providência Divina. Nós sabemos que nem um pássaro cai por terra sem a vontade de Deus (Mt 10, 29); como, em sã consciência, podemos postular que uma cidade inteira caia em ruínas sem o consentimento do Onipotente? É óbvio que Deus sempre pode evitar as tragédias, e é empírico que Ele, às vezes, não as evita. Aliás, Deus poderia perfeitamente ter criado a terra de tal maneira que não houvesse movimento de placas tectônicas ou que estes movimentos não provocassem na superfície os estragos que provocam. Se há tragédias, é porque aprouve a Deus que houvesse. E, se aprouve a Deus que houvesse, é porque há algum propósito nelas, ainda que nós não o conheçamos – do contrário, teríamos que admitir que o mero acaso, afinal, tenha precedência sobre os desígnios de Deus, ou que os desígnios de Deus sejam aleatórios e sem sentido. Ora, se nós admitimos que há um sentido nas coisas que acontecem, e admitimos não conhecer os desígnios do Deus Altíssimo, baseados em quê excluiríamos a priori o castigo divino – já sabemos que Deus castiga! – dos motivos possíveis pelos quais o Todo-Poderoso permitiria uma catástrofe natural qualquer?

Ainda: que há “castigos temporais infligidos por Deus” é doutrina definida pelo Concílio de Trento (Trento, Sessão XIV, Cap. 9). Qual a natureza destes castigos o Concílio não diz; mas diz que são temporais. Deus, portanto, inflige também castigos que não são espirituais. Se são temporais, então suas causas imediatas são naturais; ainda assim, são castigos infligidos por Deus. Ora, se há coisas que possuem causas naturais e, mesmo assim, são castigos de Deus, por qual motivo deveríamos excluir os efeitos dos movimentos das placas tectônicas – ou quaisquer outras catástrofes naturais – dos possíveis castigos divinos?

Atenção! Não estou dizendo que todo raio que cai, todo terremoto, toda inundação, toda gripe, todo câncer, toda falência são castigos de Deus. Estou dizendo que podem ser. Porque também nem toda adversidade é um castigo pelo pecado. Clemente XI condenou o seguinte erro de Quesnel:

Dios no aflige nunca a los inocentes, y las aflicciones sirven siempre o para castigar el pecado o para purificar al pecador.

Errores de Pascasio Quesnel, Condenados en la Constitución dogmática Unigenitus, de 8 de septiembre de 1713

Nada impede, portanto, que Deus envie aflições aos inocentes. Nada impede que uma catástrofe natural, portanto, seja, ao mesmo tempo, um castigo de Deus infligido aos pecadores e uma aflição aos inocentes que não lhes seja castigo. Isto não significa – repito! – que uma tragédia concreta seja um castigo divino; mas significa que pode perfeitamente ser.

Temos, em resumo, que (1) Deus castiga; (2) Deus também inflige castigos temporais; (3) nada obsta à inclusão das catástrofes naturais entre os possíveis castigos que Deus pode infligir.

Constatações pós-conciliares

Que é dos padres que saibam entender [o Evangelho] e tenham modo para declará-lo e vida para serem ouvidos? A maioria deles não o entende. [1]

Se este ofício [o sacerdócio] é de maior importância que outro qualquer, pois dele depende a salvação das almas […], que vergonha tão grande é esta que, não sendo consentido na república um oficial que primeiro não tenha aprendido seu ofício, consintamos [que haja] na Igreja um ministro que jamais aprendeu a sê-lo? Que infelicidade é esta que, se um animal sofre dores, não lhe ousamos fiar a um veterinário se ele primeiro não aprendeu o seu ofício; e a uma alma enferma, pela qual Deus morreu, nós a fiamos a um médico que nunca aprendeu como lhe devia curar? [1]

[Um] ardil do Demônio tem sido isto: fazer com que haja tanta falta de Doutrina na Igreja. [1]

E em quê podemos crer, se não que os açoites que à Igreja vêem, são principalmente pelos pecados dos eclesiásticos? […] Jeremias chora pelos males do seu tempo terem vindo por isto, dizendo: Propter peccata prophetarum et sacerdotum, que effuderunt sanguinem in medio Ierusalem (Lam 4, 13). E o mesmo podemos chorar nós em nosso [tempo], e entender que a carnificina das almas que vemos morrer é por maldade ou negligência dos eclesiásticos. [1]

Não se diga de nossos tempos que quicumque volebat, fiebat sacerdos (1Reg 13, 33), como nos tempos de Jeroboão, senão que [somente] o seja [sacerdote] aquele que merece sê-lo. [1]

A cura de almas [foi deixada] em mãos indiferentes de pregadores e confessores, muitos dos quais nem têm ciência conveniente, nem santidade de vida, nem zelo pelas almas, nem ainda prudência natural […] [por isto] a Igreja chegou ao triste estado em que está. [2]

[Há também falsos ensinadores] que, ainda que não façam isto [ensinar erros contra a Fé], não ensinam ao povo a Doutrina sólida e proveitosa que é necessária, senão cada um segundo aquilo que ele sente e segundo os seus caprichos. [2]

Estas duras palavras foram proferidas por um sacerdote que viveu durante o Concílio e no pós-Concílio. Lamenta não haver mais padres que entendam o Evangelho para que o possam explicar às pessoas; critica a falta de formação do clero; atribui ao Demônio que haja tanta falta de Doutrina na Igreja; reclama por haver alguns que, mesmo sem ensinar heresias explicitamente, deixam de ensinar aquilo que deveriam.

Um perfeito retrato da terrível situação que atravessa a Igreja nos dias de hoje, não fosse por um pequeno detalhe: estas linhas foram escritas por um santo, São João de Ávila, que viveu durante o Concílio e no pós-Concílio de Trento. A “negligência dos eclesiásticos” da qual fala o santo não é uma referência aos padres que celebram sem decoro o Santo Sacrifício da Missa. O “ardil do Demônio” não é a fumaça de Satanás da qual falou Paulo VI. Os “falsos ensinadores” que ensinam “segundo os seus caprichos” não são os modernistas. Na verdade, o santo está falando sobre a situação do seu tempo, que é – curiosamente – muito parecida com a situação atual.

O que isso significa? Duas coisas, pelo menos.

1] É terrorismo dos rad-trads pintar com cores apocalípticas a situação atual da Igreja, como se fosse uma novidade terrível haver sacerdotes ignorantes na Doutrina Sagrada e mais preocupados com as coisas da terra do que com as coisas do Céu pelas quais devem zelar, e como se crises como a que a Igreja hoje atravessa fossem um escândalo inaudito em dois mil anos de Cristianismo.

2] A tibieza entre os sacerdotes, a ignorância do povo fiel, a existência de falsos profetas e enganadores sempre estiveram entre as preocupações das pessoas que verdadeiramente aspiram à glória de Deus, à salvação das almas e à exaltação da Santa Madre Igreja; todavia, uma das notas fundamentais de tais pessoas é, sempre, a submissão à Igreja Católica. O próprio São João de Ávila passou um ano encarcerado, por haver sido [injustamente] denunciado à Santa Inquisição. E não consta que ele tenha, em momento algum, lançado diatribes contra a Igreja, como infelizmente costumamos encontrar entre algumas pessoas dos nossos dias, que jamais sofreram nem mesmo uma ínfima parte do que sofreram pacientemente os santos de todos os tempos.

Podemos – e devemos – aprender com os santos de outrora a melhor maneira de cumprirmos com o papel que nos foi assinalado pela Divina Providência no Campo de Batalha da História. Podemos e devemos aprender com aqueles que a Igreja nos apresenta como modelos de perfeição a serem imitados. E, entre os escritos do Mestre João de Ávila [dos quais já foram citados alguns trechos], há uma análise perspicaz da situação da Igreja de então (que, como vimos, é parecida com a nossa):

Parece-me que o estado presente em que estamos é semelhante ao da Antiga Lei, e à república dos descuidados, e à negligência dos mestres que mandam e não ajudam a cumprir. Pois que leis melhores do que as já feitas sobre a santidade, as letras e o regime de toda a Igreja podem haver? [1]

Muitos reclamam de que o Vaticano II não tenha pronunciado anátemas. São João de Ávila viveu durante e depois de um Concílio que pronunciou, sim, muitos anátemas; todavia, a opinião do santo é a de que as leis promulgadas por Trento e as que já existiam são muito boas e santas, e o nosso empenho deve ser no sentido de ajudar as pessoas a amarem as leis e, assim, cumpri-las, mais por amor a elas do que por força dos castigos.

Atenção! É evidente que o santo não é contrário aos anátemas pronunciados. Ele apenas faz uma constatação, que é a mesma que podemos fazer nos dias de hoje: há muitas leis boas e santas, e os católicos, mesmo assim, são maus! O problema à época de Trento, que – ouso dizer – é o problema à nossa época, não está nas excomunhões ou na ausência delas, e sim na falta de amor dos católicos às coisas sagradas. E este amor não se produz por decretos, afinal,

todas as boas leis possíveis de se fazer não serão o suficiente para dar remédio ao homem, posto que a [Lei] de Deus [o Antigo Testamento] não o foi. [1]

Isto posto, cabe refletir: será que o Vaticano II, se tivesse pronunciado anátemas, iria “transformar” a crise da Igreja de tal maneira que estaríamos hoje atravessando um mar de rosas? Será que a história não iria se repetir e, como em Trento, a falta de homens virtuosos que tivessem amor a Cristo não seria um obstáculo aos frutos de santidade que a Igreja poderia produzir? Será que, se as pessoas amassem realmente a Deus e à Igreja, Esta teria necessidade de repetir sempre as mesmas coisas? E será que a mera “atualização” das penas canônicas poderia sozinha fazer com que os homens se convertessem e amassem a Deus?

Precisamos de virtude. Precisamos de homens santos. Precisamos de pessoas comprometidas incondicionalmente com a Igreja. Precisamos de almas inflamadas de amor a Cristo, que possam contagiar as outras almas ao seu redor. Precisamos de um apostolado de “alma a alma”, a fim de as ganharmos, uma a uma, para Cristo Rei. Só assim os homens serão convertidos, as almas serão salvas, Deus será glorificado e a Igreja será exaltada. A santidade se expande por contágio: precisamos de santos! Seguindo, pois, o exemplo do santo espanhol, que nós possamos nos empenhar em produzir nas almas o amor às coisas sagradas, condição sem a qual não pode haver renovação verdadeira na Igreja, e tarefa à qual todos nós, cristãos membros da Igreja Militante, somos chamados.

São João de Ávila,
rogai por nós!

Referências:
[1] São João de Ávila, “Memorial Primeiro ao Concílio de Trento (1551)”, em “Juan de Ávila – Escritos sacerdotales, BAC, Madrid, 2000”. Tradução minha do espanhol.
[2] São João de Ávila, “Memorial Segundo ao Concílio de Trento (1561)”, em “Juan de Ávila – Escritos sacerdotales, BAC, Madrid, 2000”. Tradução minha do espanhol.

P.S.: Após ser publicado no Veritatis Splendor, este artigo foi muitíssimo mal interpretado, pelo que peço desculpas a todos. Recomendo enfaticamente a leitura deste fórum para entender o problema.