Na realidade, nada é tão escuro e misterioso como a morte do Filho de Deus, que junto com Deus Pai é a fonte e plenitude da vida. Mas também nada é tão luminoso, porque aqui refulge a glória de Deus, a glória do Amor onipotente e misericordioso.
Card. Camillo Ruini, Via-Sacra no Coliseu, Sexta-Feira Santa 2010.
Décima Segunda estação: Jesus morre na Cruz.
Na Sexta-Feira da Paixão, nós não temos sequer missa. O único ato litúrgico do dia tem lugar às três horas da tarde, hora em que Nosso Senhor morreu. Prolongamento da cerimônia de ontem, que iniciou o Tríduo Sacro, a Celebração da Paixão do Senhor de hoje tem como principal característica o silêncio. Não há palavras capazes de exprimir adequadamente o grande mistério da morte de Deus. Resta-nos uma muda contemplação.
Os instrumentos musicais emudeceram desde ontem, e as matracas ainda tomam o lugar dos sinos alegres. A procissão de entrada, silenciosa, é quase lúgubre; este efeito é ainda mais intensificado pelo altar desnudo, o sacrário aberto e vazio, os crucifixos cobertos com pano. Prostra-se o sacerdote diante do altar, junto com os acólitos, e assim permanece por um breve período. A adoração silenciosa, quase perplexa, é o que resta ao pecador que se encontra diante do amor infinito de Deus, revelado em sua faceta mais radical.
Aqueles que, ontem, aceitaram que o Senhor lavasse os seus pés, precisam hoje aceitar que Ele lave os seus pecados. O paralelo é notável: São Pedro, ontem, disse a Nosso Senhor que Ele não lhe lavaria os pés: hoje, tentou impedir “a coorte e os guardas de serviço dos pontífices e dos fariseus” (Jo XVIII, 3) de levarem Nosso Senhor. E as duas respostas que Cristo deu, ontem e hoje, complementam-se de maneira fantástica: “se eu não tos lavar [os pés], não terás parte comigo”, ontem; e “[n]ão hei de beber eu o cálice que o Pai me deu?”, hoje. É como se dissesse Nosso Senhor: “veja, eu vou sofrer e vou ser crucificado, e vou morrer por ti, e se não o aceitares, não poderás permanecer comigo”.
Foi difícil a São Pedro permitir que Nosso Senhor lhe lavasse os pés; como não deve ter sido difícil aceitar que Ele morresse em seu favor! O silêncio, da celebração de hoje, é pesado também porque é humilhante. É quando o orgulho humano precisa ser quebrado, e é quando precisamos aceitar – porque não ousamos pedir – que o Deus Onipotente faça, por nós, algo que nós próprios muito provavelmente não faríamos por ninguém. Deus sofre por nós, e morre por nós, e o doloroso é que nós não podemos impedi-Lo, porque somos pecadores e precisamos do Seu Sacrifício Redentor. O silêncio é também contrito: a que ponto chegamos? Os nossos pecados são tantos e tão numerosos que conduziram Deus à morte. Fizemos tudo tão errado que o preço do conserto é o Divino Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo derramado na Cruz.
“Senhor, perdoai-me” – é o grito que sobe do fundo do coração do homem que percebe o seu papel no drama que hoje se desenrola. Um duplo papel, aliás, que só faz sentido dentro da lógica do amor radical de Deus pelos seres humanos: nós somos, ao mesmo tempo, causa e fim dos sofrimentos do Filho de Deus. São os meus pecados que pregam Nosso Senhor na Cruz (Senhor, perdoai-me!), e é a morte de Nosso Senhor na Cruz que perdoa os meus pecados (Senhor, obrigado!). Somos, ao mesmo tempo, culpados e beneficiários. Como exprimir esta singular condição? Ajoelhamo-nos na leitura da Paixão de Nosso Senhor, quando Ele inclina a cabeça e rende o espírito – mais do que isso, não podemos fazer.
Mas também desçamos com Nosso Senhor ao túmulo. Preparemo-nos para o Sábado Santo, para o Terceiro Dia que já vem, quando Ele há de romper o Sepulcro e ressurgir, vencedor. Mas, por enquanto, é ausência. O Senhor está morto. Que a Paixão de Cristo possa nos confortar.