Aviso aos leitores mais sensíveis que este post contém uma certa dose – maior do que a que eu me permito usualmente – de expressões chulas, maliciosas e de duplo sentido. Julgo necessário fazê-lo para tratar com mais propriedade do assunto que desejo comentar. Disclaimer feito, vamos ao texto.
Li hoje sobre um projeto de lei – “assinado por 11 deputadas do estado da Bahia” – contra a desvalorização da mulher na música (baiana, em particular, mas eu diria que isto se estende à música brasileira em geral). Trata-se do PL 19.203/2011, da Assembléia Legislativa da Bahia e da autoria da deputada petista Luiza Maia. Tal projeto “[d]ispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento”. Na sua justificativa, pode-se ler que
é mister atentar para os conteúdos ofensivos de alguns dos hits do momento, especialmente no que se refere ao reducionismo e desqualificação do ser feminino. Em algumas composições, a mulher é tratada como objeto sexual, como se fosse abreviada apenas a peito, bunda e genitália. Em outras, sob o perigoso pretexto de brincadeira momentânea, prega-se, mesmo que involuntariamente, a violência de gênero. É necessário ver essa situação como um problema. Afinal de contas, muitas pessoas internalizam o teor dessas canções no subconsciente. Ou pior ainda: banalizam o destrato contra a mulher
Eu acho que já comentei aqui outras vezes sobre o péssimo gosto da música contemporânea. Acho perfeitamente justo que o dinheiro público não seja empregado na contratação de “artistas” (!) de gosto tão duvidoso, como propõe o referido projeto de lei. Isto, no entanto, é só a ponta do iceberg. O problema estrutural é muito mais fundo e mais complexo.
O prof. Roberto Albergaria, citado na reportagem do Jornal do Commercio (reproduzida no primeiro link), critica este projeto de lei. E justifica: “É uma idéia estúpida e preconceituosa. A deputada não entendeu como essas músicas são recebidas pelo povo. Elas são machistas, como a sociedade também é. Mas as mulheres que ouvem pegam essas letras, retorcem e fazem uma leitura irônica delas”. Sinto-me na obrigação de discordar do senhor antropólogo da UFBA. Esta música – e outras parecidas que apresentam a mulher como um objeto sexual – não são nada machistas. Na verdade, são é feministas.
Sim, feministas. Quem não se lembra das clássicas queixas das incendiárias de soutiens? As mulheres eram forçadas a ficar em casa enquanto os seus maridos iam às ruas atrás de um rabo-de-saia. É contra este status quo que as mulheres (até aqui, justissimamente) se insurgem; no entanto, o que elas reivindicam não é uma maior moralidade masculina, mas sim o contrário: querem direitos iguais. Querem o seu quinhão de participação na imoralidade. E, aqui, a queixa perde toda a justiça e degenera fatalmente nesta depravação que encontramos por aí nos dias de hoje.
Para mim, todas essas músicas nas quais as mulheres são apresentadas como objetos sexuais – de “mulher não trai, mulher se vinga; mulher cansou de ser traída” a “eu não sou brinquedo não; / se não comer as duas / vai rolar a confusão” – têm um forte cheiro de lingerie queimada. Pra mim, está mais do que claro que este tipo de composição poética não poderia jamais encontrar lugar em uma sociedade “machista” nos moldes tão virulentamente atacados pelas feministas, e foi necessário que primeiro as mulheres passassem a se comportar como machos no cio para que, só depois, as músicas populares seguissem-lhes os passos e apresentassem um retrato de tão degradante espetáculo.
E a maior prova disso é que… não se encontram composições com este nível de imoralidade nas músicas legadas por nossos pais e avós. Vejam bem, o problema não é o sexo. Bem ou mal, sempre houve músicas de teor erótico (afinal, quer coisa mais erótica do que uma camisola de renda – de Sevilha! – ocultando o “divino conteúdo” do qual o eu-lírico se reclama dono?). O problema são as situações (sempre intrinsecamente imorais) nas quais o sexo é cantado e – muito pior – exaltado. Antigamente, até mesmo as prostitutas mereciam canções; mas elas recebiam um “eu vou tirar você deste lugar, / eu vou levar você para morar comigo”. Coisa totalmente diversa se encontra nos dias de hoje onde é… “só as cachorras”, e onde as mulheres claramente se orgulham de serem cantadas como se fossem objetos de prazer. Neste mundo de indigência musical, acaso é de se espantar que nos alegremos quando – com toda a desgraça! – encontremos uma menina cantando “se quiser me ter [sim, com total trocadilho aqui] / tem que ser só meu”?
As feministas julgaram por bem exigir os mesmos “direitos” dos homens, entendendo por isso também o “direito” à imoralidade, à promiscuidade, ao sexo casual, ao prazer venéreo buscado pelo próprio prazer venéreo. E esta mentalidade – claro – se reflete também nas músicas. Foi preciso que chegássemos ao fundo do poço para que passássemos a perceber que existem músicas denegrindo as mulheres! Mas isto não é de hoje: começou com os soutiens queimados. Neste caso, a música popular não “cria” cultura: ela reflete e expande uma cultura que já existe subjacente a ela.
Sim, há músicas que se referem às mulheres como um objeto sexual, mas isto não é o pior. O pior é haver mulheres apresentando-se como objeto sexual, em uma busca vazia por prazer venéreo como se isto fosse uma espécie de “libertação” da “opressão masculina” e onde o seu valor é aferido por meio da quantidade e da intensidade de excitações e fantasias que elas são capazes de proporcionar. Sim, eu tenho certeza de que é importante que se parem de cantar músicas nas quais as mulheres são tratadas como animais ou como objetos. Mas, para isto, parece-me ser de capital importância que sejam reconstruídos alguns soutiens.