Tenho visto algumas pessoas questionando a organização de um simpósio sobre os 100 anos da Revolução Russa pela Universidade Católica de Pernambuco. Vejam bem. Ao que parece, o site de notícias da Unicap não está divulgando este evento, ou ao menos não sob o termo “Revolução”. O máximo que encontrei foi uma referência ao XI Colóquio de História da Unicap: lá, no finzinho da programação, tem o seguinte:
3- Conferências (auditório G1)
Dia 31 de outubro, 19h
Centenário da Revolução Russa de 1917
Prof. Dr. Michel Zaidan Filho (UFPE)
Prof. Dr. Odomiro Barreiro Fonseca Filho (Doutor pela USP)
Não que a nossa Universidade Católica seja um baluarte do alto pensamento católico no país (e nem que os demais pontos do programa sejam um primor de relevância acadêmica), mas apresentar uma conferência isolada no interior de um congresso mais amplo como se fosse uma promoção do comunismo soviético por parte dos jesuítas pernambucanos parece um pouco exagerado. O mais provável, aliás, era que quase ninguém ficasse sabendo da conferência sobre o «centenário da Revolução Russa de 1917» — mera nota de rodapé da décima-primeira edição dos Colóquios de História da Unicap. Os protestos nas redes sociais, neste caso específico, parecem ter o indesejável efeito de projetar sobre o objeto da crítica mais atenção do que ele merece — muito mais atenção do que receberia se fosse deixado à míngua. Aqui o inimigo se aproveita da nossa indignação; e nós, passionais, terminamos por lhe conceder mais visibilidade do que ele lograria por si só.
Uma coisa mais interessante poderia ser feita, e lamento não ter, agora, a disponibilidade de tempo necessária para a pôr em prática. É que o evento tem um call for papers aberto até o próximo dia 27 de outubro, e seria uma coisa divertidíssima se a comissão avaliadora tivesse que se debruçar sobre vários trabalhos que tivessem, digamos, uma orientação dissonante da que comumente se espera em eventos desta natureza. Muito mais relevante, assim, do que rasgar as vestes pelo fato de uma universidade jesuítica estar organizando um simpósio sobre a Revolução Russa seria enviar uma enxurrada de artigos científicos para o tal simpósio mostrando as aberrações ocorridas na Revolução Bolchevique. Com isso, estaríamos fazendo o inimigo trabalhar a nosso favor.
Claro que é sempre possível uma rejeição liminar de todos os trabalhos anticomunistas. Penso, no entanto, que isso seria um tiro no pé da organização. Em um mundo onde praticamente tudo vira polêmica nas redes sociais, a notícia de que um evento acadêmico estivesse consistentemente rejeitando trabalhos científicos por conta meramente de discordâncias ideológicas teria um grande potencial. Provavelmente terminaria por minar a credibilidade do evento. E forneceria, inclusive, um argumento melhor para se pedir providências junto à reitoria da Universidade: pedir a condenação de um congresso em função do tema por ele abordado tem uma conotação de censura que o torna socialmente pouco aceitável, ao passo em que pedir a condenação do mesmo congresso porque ele está censurando pesquisas acadêmicas que discordam da orientação política dos seus organizadores tem muito mais apelo. E, finalmente, se nada mais desse certo, os trabalhos enviados não ficariam perdidos: sempre seria possível publicá-los em um site ou revista “As Obras Censuradas pela Unicap!” ou coisa assim, e também isso teria a sua repercussão social — talvez até mesmo, nestes tempos aguerridos, maior do que a do próprio evento.
A idéia, embora tenha surgido aqui, não vale apenas para este Colóquio da Universidade Católica de Pernambuco: ao contrário, pode ser implementada para qualquer congresso, e aliás é tanto melhor quanto mais relevância tiver o evento. Evento é sobre descriminalização da maconha? Escreve artigo argumentando pelos malefícios da liberação. Evento sobre aborto e “saúde reprodutiva”? Tasca estudos sobre os altos índices de suicídio das mães que cometem aborto. Congresso sobre a laicidade do Estado, manda paper sobre a Santa Sé enquanto pessoa jurídica de direito internacional. Et cetera.
Em outros tempos, íamos para palestras heréticas unicamente para fazer perguntas capciosas e observações constrangedoras ao final das apresentações, quando fosse facultada a palavra ao público. Era divertido, mas procurando hoje os registros daqueles momentos percebo que, afora as (deliciosas) lembranças dos presentes, praticamente nada restou. Ao contrário, uma atuação mais institucional — por exemplo, com submissão formal de artigos segundo as próprias regras estabelecidas pelos congressos — poderia ter uma repercussão mais ampla e mais longeva; poderia alcançar mais pessoas distantes (no tempo e no espaço) dos eventos polêmicos. Parece uma forma de atuação na qual valeria a pena investir algum tempo.