Eu não sabia de quem se tratava

exatamente um ano este blog publicava em seqüência os anúncios de «Habemus Papam» e «Franciscus». Lembro-me da demora, diante da televisão, entre a fumata bianca e o esperado aparecimento do novo Pontífice no balcão diante da Praça de São Pedro. Pareceu-me demorar mais do que há alguns anos, à eleição de Bento XVI. Ou talvez eu estivesse mais velho, menos paciente, mais ansioso… mais contaminado com o espírito do mundo.

O velho jesuíta veio do fim do mundo e surpreendeu a todos. Confesso: eu não sabia de quem se tratava. Ao que parece, muitas pessoas também não. Daqui, do outro lado do Atlântico, ouvi-lhe o «buona sera» antológico. Recebi a primeira Urbi et Orbi do novo pontificado. A televisão continuou ligada, e eu saí. Estava perplexo.

Demorei um pouco a perceber que toda pressa era vã e, toda ansiedade, inimiga da compreensão serena. Não seria possível descobrir quem é o Chefe de uma Igreja de dois mil anos com a velocidade à qual nos acostumamos graças às modernas telecomunicações. A Igreja é Eterna, e isso faz com que haja algo de atemporal em todos os Papas. Quem entende isso, já sabe mais do que é possível aprender com uma legião de vaticanistas.

Um Papa fora eleito e eu não sabia de quem se tratava. Para meu temor, parece que hoje, transcorrido um ano, ainda há muitas pessoas que continuam sem saber. Leio uma profusão de matérias sobre o Papa Francisco na mídia secular, ouço falar dele o tempo inteiro em ambientes religiosos. É impressionante esse mistério: trata-se talvez da pessoa de quem mais se falou ao longo do último ano e, mesmo assim, ela permanece completamente desconhecida para a maior parte dos que ouviram falar dele.

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Como explicar? Tudo parece girar em torno da obsessão que se tem hoje em dia pelo conceito de «mudança», à luz do qual é impossível entender o Catolicismo. Pior ainda quando este conceito é substituído pelo de «Revolução», tão ao gosto da imprensa anti-clerical ou dos desgostosos – de séculos… – com a Igreja. Sob essa clave muito se falou e fala sobre o Papa Francisco. E sob ela o Bispo de Roma é aos homens de hoje cada vez menos conhecido.

Trago um exemplo somente, de tantos que se podiam coligir. Há poucos dias um amigo publicou no Facebook que o Papa era tão revolucionário que ele temia por sua vida, agora que ele – o Papa – estava tentando incluir os “casais gays” dentro da Igreja. A história é de um descabimento retumbante, de uma inverossimilhança tão grotesca que espanta alguém dar crédito. No entanto, ouve-se algo parecido com isso, as pessoas projetam suas expectativas no que acharam ter ouvido dizer, a história se repete e, de repente, tem-se a histeria formada. Contudo, longe dessa pirotecnia irracional, o humilde jesuíta que hoje calça as Sandálias de Pedro se encontra na mais solitária obscuridade. Já há um ano ele guia a Igreja e ainda não sabem de quem ele se trata.

Criou-se muita falsa expectativa em relação ao Vigário de Cristo, e qual o resultado disso? Passou-se um ano, o wishful thinking não se realizou e o papado do primeiro latino-americano permanece para muitos uma incógnita tão grande quanto o era naquele outro 13 de março.

Esta tragédia foi abertamente anunciada. Menos de quinze dias depois da eleição do Papa Francisco, eu ecoei aqui a denúncia de Vortex sobre o «seqüestro do Papa» que estava em andamento. Hoje, um ano depois, ficamos com a impressão de que o plano macabro teve uma perturbadora eficácia. Hoje, ainda há multidões de pessoas que não sabem quem é o Papa e nem se apercebem disso.

Sempre à volta com quimeras. Já se completou um ano. Quantos outros aniversários será preciso esperar para que as sucessivas frustrações com «mudanças» que nunca podem vir dêem enfim lugar à serena aceitação da realidade?

Tarefa difícil. Veja-se: abro um texto de uma revista não-religiosa sobre este primeiro ano de pontificado. Lá, perdido no meio de uma matéria enorme, é dito en passant, quase como se fosse uma curiosidade sem importância, que o Papa Francisco é um homem que passa uma hora em oração diante da Santíssima Eucaristia todas as tardes. E penso que há nessa pequena frase mais sobre o atual Bispo de Roma do que nos desvarios e tresvarios que se costumam apresentar como análises da Igreja. Se as nossas manchetes sobre o Papa Francisco do último ano fossem assim, talvez hoje os homens já soubessem melhor de quem ele se trata…

Faz um ano. Eu não sabia quem ele era. Mas sabia que se tratava do Vigário de Cristo, da Cabeça Visível da Igreja, daquele a quem toda submissão é necessária para os que desejam se salvar. Eu não sabia quem ele era, mas sabia que precisava rezar por ele. E refaço aqui as orações de um ano atrás, as súplicas de cada dia, pelo nosso Pontífice Francisco. A fim de que o Bom Deus o conserve e vivifique. A fim de que o torne feliz sobre a terra. A fim de que jamais o entregue nas mãos dos seus inimigos.

Domingo, Regina Caeli, Laetare!

O Exsultet é um dos cantos litúrgicos que eu mais gosto de ouvir. Não seria de modo algum exagero dizer que eu passo o ano esperando a missa da Vigília Pascal, para escutá-lo. Exsultet jam angelica turba caelorum; / exsultent divina mysteria: / et pro tantis Regis victoria / tuba insonet salutaris. Na tradução para o português que possuo no meu missal (tridentino) de bolso: “Exulte agora a milícia angélica; celebrem-se, com júbilo, os divinos mistérios. E que a tuba da salvação proclame a vitória do grande Rei!”.

O cântico é triunfal: é a proclamação da Páscoa, já no início da Vigília. Cristo ressuscitou, aleluia: que se alegrem os anjos no Céu e os homens na terra. As imagens evocadas pelo cântico são belíssimas: haec nox est, in qua, destructis vinculis mortis, / Christus ab inferis victor ascendit. / Nihil enim nobis nasci profuit / nisi redimi profuisset. Na tradução do Missal (de Paulo VI) brasileiro: “Ó noite em que Jesus rompeu o Inferno, / ao ressurgir da morte vencedor… / De que nos valeria ter nascido / se não nos resgatasse em Seu amor?” E eu precisaria ficar citando e traduzindo cada um dos versos do cântico, para ser justo. É maravilhoso – de uma grandeza adequada à grandeza da noite da Vigília Pascal.

É a Noite feliz na qual nós celebramos o Sepulcro Vazio, a vitória sobre a morte, a Gloriosa Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, o mais eloqüente testemunho de Sua divindade! E, digam o que disserem os céticos dos nossos dias, a Ressurreição de Nosso Senhor é um fato histórico, acessível às ciências humanas tanto quanto é possível que fatos históricos o sejam. São Paulo nos disse que, se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa Fé. Ora, é óbvio que a Fé Cristã não foi “vã”, posto que ela, de uma região obscura do Oriente Médio dominada pelo Império Romano dois mil anos atrás, expandiu-se a ponto de construir o mundo no qual, hoje, nós vivemos. Qual é a causa de fecundidade tão extraordinária, sem absolutamente nenhum paralelo na história da humanidade? Se a razão de ter “vingado” o Cristianismo não é – como os próprios cristãos sempre afirmaram – a Sua origem sobrenatural, então qual é? Aqui, calam-se os céticos. Que se calem! Que deixemos os sinos proclamarem a razão da nossa esperança, e o duplo aleluia triunfal que ecoa em nossas igrejas anunciar que Cristo ressuscitou dos mortos.

Porque, sim, “a erva medicinal contra a morte existe” – como disse o Papa Bento XVI na homilia da Vigília Pascal de ontem. “Cristo é a árvore da vida, que se fez novamente acessível”. Temos motivos suficientes para nos alegrarmos – nós, que não somos nada, que somos miseráveis e pecadores, foi por nós que Cristo morreu e, como se isso já não fosse muito mais do que merecemos, foi por nós que Ele ressuscitou. A parábola do Filho Pródigo vem-me à mente: o pai não apenas perdoa as ofensas do filho, como também põe-lhe roupa nova, anel no dedo e sandália aos pés, e inicia uma grande festa. Cristo não apenas perdoa os nossos pecados, como nos convida a participar da Sua alegria, como nos abre as portas da Vida Eterna.

Porque, se morremos com Cristo, também com Cristo ressuscitaremos. É este o segredo da alegria pascal, este é o motivo do júbilo que hoje invade as nossas igrejas: temos acesso à árvore da Vida, e podemos ter a Vida Eterna que não merecemos, e podemos viver na Bem-Aventurança da Trindade Santa da qual não somos dignos. Ó mistério luminoso, que as palavras não são capazes de descrever como convém! Alegremo-nos. Alegremo-nos no Senhor, porque Ele ressuscitou verdadeiramente. Como se diz na antífona mariana que iremos cantar durante todo este tempo pascal: alegrai-Vos, Rainha do Céu, Aleluia, porque Aquele que merecestes trazer no Vosso seio, Aleluia, ressuscitou, como havia dito, Aleluia! Rogai por nós a Deus, Aleluia. Sim, ó Rainha do Céu, rogai por nós a Deus, para que também alcancemos, um dia, a Vida Eterna de Bem-Aventurança que, no dia de hoje, o Vosso Divino Filho alcançou para nós.

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Ler também: Mensagem Urbi et Orbi do Papa Bento XVI – Páscoa 2010. “A Páscoa não efectua qualquer magia. Assim como, para além do Mar Vermelho, os hebreus encontraram o deserto, assim também a Igreja, depois da Ressurreição, encontra sempre a história com as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias”.