Foi com pesar que soube do falecimento recente do Mario Palmaro. Para quem não lembra, ele já foi mencionado no Deus lo Vult! em duas ocasiões, aqui e aqui, a respeito de uma polêmica envolvendo certas críticas ao Papa Francisco que lhe valeram a demissão de uma Rádio Católica. Posteriormente o próprio Papa teve a gentileza de entrar em contato com ele, oferecendo-lhe a sua proximidade.
É ainda válido o que eu disse há quase cinco meses sobre o assunto, e penso que seria desrespeitoso à memória do professor italiano se usássemos a tragédia presente para conferir ares de martírio à celeuma passada – ou, inversamente, de estopim da Ira Divina. Que Deus confira o descanso eterno ao Mario Palmaro, e que a Lux Perpetua possa brilhar sobre ele: a mesma Luz pela qual ansiamos neste claro-escuro da vida e para merecer a qual queremos viver e morrer.
Foi no Fratres in Unum que encontrei essa sua bonita meditação sobre a doença, talvez umas das últimas coisas que o jornalista tenha escrito. Ela me tocou sobremaneira porque também me encontro às voltas com uma doença, decerto menos grave do que a que vitimou o Palmaro mas, ainda assim, a mais grave que já atravessei. E me senti representado pelas suas palavras. Subscrevo particularmente o seguinte trecho:
Às vezes eu imagino a minha casa, o meu escritório vazio e a vida que ali prossegue embora eu não esteja mais lá. É uma cena que me dói, mas extremamente realística porque me faz compreender quem sou eu, e percebo que tenho sido um servo inútil, que todos os livros que eu escrevi, todas as conferências, todos os artigos são como palha.
Sim, a perspectiva da morte é uma coisa extremamente sadia, por mais paradoxal que a afirmação possa parecer à primeira vista. Faz-nos viver melhor. Trata-se de uma meditação que todos deveriam praticar com freqüência, sem que para isso fosse necessário encontrar-se de fato diante dos umbrais do Túmulo, já a sentir-lhe o bafo gélido. As pessoas viveriam melhor – e por conseguinte morreriam melhor – se se acostumassem a viver como se fossem morrer um dia.
Penso que morrem mal as pessoas que só percebem que vão morrer ao fixar os olhos escarnados da Morte diante de si. E morrem mal porque viveram mal; porque só então percebem terem passado a vida inteira sem aquela consciência – sobre a qual falou o Mario Palmaro – de ser um «servo inútil» e de não ter jamais feito senão «palha». É essa consciência que nos permite ser grandes; é somente com ela que podemos ser o que Deus espera de nós.
Quando eu era mais jovem, lembro que alguns amigos diziam querer uma morte rápida e indolor; qualquer coisa que os fizesse morrer depressa sem nem se aperceberem de que estavam morrendo. E eu discordava; essa perspectiva me aterrorizava. Era importante, eu pensava, morrer com a plena consciência de estar morrendo, com tempo para deitar na cama e agonizar pensando na vida, receber a visita dos parentes e dos amigos, dos sacerdotes a ministrar os Últimos Sacramentos.
Hoje eu já vejo as coisas um pouco diferente: não há nenhuma razão para colocarmos nos nossos últimos estertores essa reflexão sobre a própria vida que deve ser quotidiana. Não existe nenhum sentido em simplesmente desejar morrer pensando em como se viveu, quando podemos e devemos já viver pensando em como estamos vivendo. É uma coisa santa e piedosa desejar – como eu sempre desejei – uma “boa morte”, sem dúvidas, mas esse desejo só faz sentido quando tomamos consciência de que isso necessariamente inclui o desejo de uma boa vida. É por isso que precisamos meditar na nossa morte quando – e principalmente – a percebemos ainda distante de nós. Assim essa meditação nos será mais proveitosa.
Voltando àquelas palavras do jornalista católico, elas me consolam e fortalecem. Consolam, porque entrevejo nelas uma alma que morre bem; fortalecem, porque me instam, já agora, a preocupar-me a cada dia com bem viver; a fim de que eu também possa alcançar um dia este bom termo que é muito difícil obter quando se vive como se se fosse viver para sempre, como quem não precisará prestar contas jamais. Ao Palmaro, a minha admiração, meus agradecimentos e as minhas preces. O Senhor o saberá recompensar por este bem póstumo realizado.